- Trazes o cabelo oleoso.
- Hoje é quarta?
- Sim.
- Então vou lavá-lo.
Se soubesses o que eu faria se te pudesse levar comigo, dobrar-te-ia em quartos e depois em oitavos e depois em ínfimas partes para que pudesses caber dentro do meu bolso e levar-te a conhecer o mundo como mereces. Reduzir a existência a partículas e torná-las sobreviventes daquilo que não se gosta de lembrar. Lavá-las bem e voltar a aglomerá-las para construir novas memórias na tua vida. Era esse o meu desejo prepotente para ti. Mas tu não mo pediste. Que dirás quando te aperceberes de que me estou a meter de permeio entre a tua realidade e a minha fantasia?
- Foste passear?
- Fui ver os patos.
Imagino a tua alegria nesta experiência que repetes tantas vezes ao domingo. Alimenta-los a migalhas de pão à revelia do teu pai, que definitivamente, não gosta de os apreciar. Não tem paciência. É preciso paciência para ver patos, és tu quem o dizes. Eu acredito. Tens medo de cobras, mas é o medo de morrer que te congela o sorriso. Ainda sou muito nova, respondes-me. Pois és, confirmo-o com um aceno. E ter o poder de mudar o curso da tua vida? Nada, respondes-me com a mesma simplicidade que trazes desenhada nos teus olhos. Surpreende-me que aceites tudo tal como está, então volto a questionar-te. Precisou de 5 segundos e trouxe nova resposta. Queria apenas ter o cabelo liso. Pergunto porquê. Responde-me que o queria o comprido, tal como o meu. Volto a questionar e acrescenta que odeia ter frio na cabeça.
- No pescoço?
- Sim.
- E tu, gostas de ir ver os patos?
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El pato y la muerte - Wolf Erlbruch. Barba Fiore Editora 2011
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