Naveguem por este mundo sem validade!

segunda-feira, 6 de abril de 2020

6 de Abril 2020

Hoje são 39 anos dentro de paredes, tal como o mundo inteiro. Hoje fui presenteada com um grande senhor: Leonard Cohen.
Abraço virtual a todos os que acompanham as minhas aventuras.


domingo, 5 de abril de 2020

Aqui também se vive (sob suspeita).

Aqui na aldeia, as pessoas têm receio de receber as cartas do carteiro, de comprar o peixe ao vendedor ambulante que anda às terças e quintas a apitar ou de agarrar no saco do pão que o padeiro deixa junto ao muro todos os dias às 6h da manhã. Há sempre uma grande dúvida: se formos buscar o pão ao muro às 8h, já passaram 2 horas, será que o vírus morre por falta de hóspede ou sobrevive como uma borboleta esvoançando pelo jardim? Dúvidas. No fim-de-semana passado contaram-me que uma mulher da minha idade fez uma festa de aniversário para a sua filha com 50 pessoas.  Segundo ela, "não há problema pois  a festa é na serra e na serra não há vírus." Desinformação ou negação? Não sei, afinal de contas ela tem a minha idade e a quarentena ainda não me afetou o discernimento mental. Por enquanto. 
Tenho em mim que se o estado de emergência se prolongar, o meu jardim irá sofrer comigo. Tenho feito um desbaste terrível aos arbustos e árvores. Por causa disso, fiz uma distensão dos músculos do pulso. Tenho de fazer muita força e eu tenho o pulso frágil. Fiz o diagnóstico sem sair de casa. Fui ao Google. Já estou inscrita no site da proteção civil para ter autorização de fazer queimadas. Já fiz três. Sozinha. Domadora de fogo controlado. Senti-me importante. Tenho o meu cabelo gigante. Já consigo fazer uma trança ao lado que me chega ao peito. Amanhã faço
39 anos, mas felizmente não me apercebi de mais nenhum branco. Tenho um problema com cabelos brancos. Não irei esticar o cabelo no meu aniversário. Não há cabeleireiros abertos. Gosto de me sentir bonita nesse dia. Vou arranjar outras formas de o conseguir. Pintar os lábios? Não me parece. 
Tenho ouvido muita música e lido muito pouco. Ando zangada com os livros que tenho em casa. Já os li todos. Por isso, a semana passada fiz uma encomenda na FNAC. Entregam os livros no dia seguinte ao meu aniversário. 
Conta como prenda a mim própria?

quarta-feira, 19 de fevereiro de 2020

O meu avô descobriu aos 91 anos (quase 92) que poderia ter sido arquitecto.


O meu avô descobriu aos 91 anos (quase 92) que poderia ter sido arquitecto. Pedreiro a vida toda, agora a viver num lar, passa os dias e as horas a desenhar as plantas das casas que construiu. Não usa óculos (nunca usou) e quando tinha perto de 70 anos foi operado às cataratas. Tem um escritório improvisado numa sala comum, repleta de antíteses e intenções. Uma sala onde o presente ora se define no silêncio das sestas improvisadas em cadeiras, ora em gritos desenfreados e sem significado que relatam somente a angústia de quem não sabe quem é, nem onde está. Traz os seus objetos de trabalho dentro de uma caixa de plástico. Usa régua e esquadro com uma perícia incrível e agora, até usa corretor quando as linhas não cumprem os seus desígnios de perfeição e esquadria. Consegue fazer as reduções à escala real. A sua obsessão reside agora em desenhar as plantas das casas dos seus três filhos. Mostra-nos orgulhosamente os pedaços de papel, colocados com fita cola que obedecem a uma lógica imperturbável. Tem a 4ª classe, mas a ortografia não é com ele. Escreve como fala. Ouve mal e a metade das nossas conversas tem de ser feitas junto do ouvido. O meu avô descobriu aos 91 anos (quase 92) que poderia ter sido arquitecto. 
Para mim, ele já é.



quarta-feira, 22 de janeiro de 2020

E tu, gostas de ir ver os patos?

- Trazes o cabelo oleoso.
- Hoje é quarta?
- Sim.
- Então vou lavá-lo.
Se soubesses o que eu faria se te pudesse levar comigo, dobrar-te-ia em quartos e depois em oitavos e depois em ínfimas partes para que pudesses caber dentro do meu bolso e levar-te a conhecer o mundo como mereces. Reduzir a existência a partículas e torná-las sobreviventes daquilo que não se gosta de lembrar. Lavá-las bem e voltar a aglomerá-las para construir novas memórias na tua vida. Era esse o meu desejo prepotente para ti. Mas tu não mo pediste. Que dirás quando te aperceberes de que me estou a meter de permeio entre a tua realidade e a minha fantasia?

- Foste passear?
- Fui ver os patos.
Imagino a tua alegria nesta experiência que repetes tantas vezes ao domingo. Alimenta-los a migalhas de pão à revelia do teu pai, que definitivamente, não gosta de os apreciar. Não tem paciência. É preciso paciência para ver patos, és tu quem o dizes. Eu acredito. Tens medo de cobras, mas é o medo de morrer que te congela o sorriso. Ainda sou muito nova, respondes-me. Pois és, confirmo-o com um aceno. E ter o poder de mudar o curso da tua vida? Nada, respondes-me com a mesma simplicidade que trazes desenhada nos teus olhos. Surpreende-me que aceites tudo tal como está, então volto a questionar-te. Precisou de 5 segundos e trouxe nova resposta. Queria apenas ter o cabelo liso. Pergunto porquê. Responde-me que o queria o comprido, tal como o meu. Volto a questionar e acrescenta que odeia ter frio na cabeça. 

- No pescoço?
- Sim.
- E tu, gostas de ir ver os patos? 

El pato y la muerte - Wolf Erlbruch. Barba Fiore Editora 2011





segunda-feira, 20 de janeiro de 2020

As asas são o cérebro dos sonhos.


Vens respirando ruidosamente. Trazes a turbulência na tua aura. Rodas os olhos no máximo que o movimento do teu pescoço te permite e vês-nos. Elogiamos o teu cabelo. Pareces o John Lennon, digo-te sorrindo. Retribuis. És amável, tal como imagino o teu interior.  A tua verdade é crua. As tuas mãos desprezam-te. Ausentes de qualquer função, tocam apenas as estrelas quando se desfazem em poeira e gás. Cobrem-te e agarram-te com tal força gravítica que não te consegues desprender dessa cadeira que te adormece. Mas nem sempre se tem a sorte de ser tocado por elas. As estrelas não morrem assim. A temperatura da tua pele acolhe o meu arrepio. A pele que te protege como uma mãe que engaiola o seu filho, numa espécie de ninho anti roubo. Pesquiso nos teus olhos onde pairam as tuas asas. Perdeste-as? Ou alguém alguma vez te falou da sua existência? Lamento que as desconheças. As asas são o cérebro dos sonhos. Nunca te disseram?  Lamento que te esqueçam de dizer as coisas importantes.
Não sou nem nunca serei uma estrela, mas posso sussurrar-te ao ouvido para que sintas o meu quente. Não ficarás brilhante nem serás mágico. Continuarás preso a essa cadeira, mas lembrar-te-ás mais vezes que existes, prometo.

terça-feira, 31 de dezembro de 2019

31 de Dezembro 2019

Escrevo por ímpetos. Ultimamente têm ficado escondidos na gaveta à espera que eu lhes tire o pó. Hoje resolvi tirá-los e cá estou eu a sacudir ideias: ímpetos isentos de pó.
Ponto da situação/balanço:
Termino o ano despenteada e de pantufas tal como eu gosto. Tenho 3 livros com leitura intermitente na minha mesa de cabeceira. Tenho adormecido em modo relâmpago todas as noites a ver filmes da Foxlife (cujo final sabe-se logo mal se lê o titulo do filme. Que fique anotado que não me orgulho disto).
Os meus filhos são fãs do Harry Potter e à custa disso iremos aos estúdios do filme em Londres no Carnaval (um arrombo financeiro, deixem-me que vos diga). O mais velho (V. , 8 anos) começou a ver os filmes do Star Wars (pela ordem cronológica) e vai no episódio IV. Quer convencer-me a gostar, mas a tarefa tem sido árdua, acho que ele vai desistir (desculpem-me os fãs). A mais nova (C., 5 anos) dança ballet e não perde uma oportunidade para se por de pontas e dançar a "fada do açúcar". O papá M.C. este ano foi a um concurso televisivo, foi à final e ganhou uma estadia de 3 noites para 6 pessoas mas está difícil de marcar a estadia, parece-me que nem para o ano vamos usufruir do prémio!
Escrevi duas peças de teatro em 2019 e, sendo leiga e amadora na matéria, encenei-as com todo o amor que elas precisam para sobreviver.
Fui tia novamente este ano, uma alegria imensa para este meu coração derretido. 
Nos próximos dias, aguardo notícias de um grande desafio ao qual me aventurei, por isso, "finger's crossed" por favor.
A todos, o desejo de que o novo ano que se avizinha vos proporcione excelentes momentos. Por cá, estou simplesmente grata por estar terminar este junto de quem mais gosto!
Xi.

quarta-feira, 6 de novembro de 2019

A lua tem mau feitio.


A lua tem mau feitio.  Hoje, trouxe fora de horas, a história negra e o vislumbre da efemeridade. Não da minha (e ainda bem), mas de um outro cuja história se pintou sozinha. Adjetivo inconsequente que me provoca mau estar no estomâgo. Não gosto de o ingerir. Não tenho talento para o digerir. Fico doente. Não me satisfaço nesta doença. Irrita-me pensar e falar sobre ela, por isso escondo-a sempre que posso na minha algibeira, desejando a minha insanidade momentânea quando tiver de lhe de prestar contas.  Tramada forma de cumprir pagamentos. Não há como transferir virtualmente, a coisa sente-se na pele e arrepia-se. E depois, como se não bastasse, lembra-se. E lembra-se vezes sem conta.


Nicklas Gustafsson

[em memória a ti Celso]