Subi mais um lanço de escadas. Levava comigo um saco cheio
de intenções. Eu sabia que, quando lá chegasse, eu seria capaz de falar.
Sabia-o como se de um procedimento cirúrgico se tratasse, sabia-o tal como sei a
hora do meu nascimento e o meu índice de apgar. Sei-o, porque treino. Treino-o
compulsivamente. “São estratégias que enganam as doenças da memória”, disseram-me
um dia em que me esqueci de comer. Comecei a treiná-las nas horas em que a
noite adormece, para além da janela do meu quarto. Não hei-de morrer sem saber
quem eu sou. Penso e repito para dentro, para que todos os meus órgãos internos
ressoem esta ideia e me obedeçam. Acendi um cigarro a meio da minha escalada íngreme.
As escadas pareciam não ter fim. Testo o meu pulmão ao limite. Canso-o e cedo por
breves segundos. O meu encontro está para breve. A ideia do meu encontro
serve-se de mim. Repudia-me pensar na dependência física das palavras. Mas não
desisto, não agora. E o agora já tinha durado tanto tempo. Não conseguia
esperar mais. Eu sabia que, quando lá chegasse, eu seria capaz de falar.
Sem corrimão, e já numa altura desconfortável, padeço de alterações no sistema labiríntico
e quase desisto. Quase fui traída pelo meu próprio ouvido. Talvez fosse o medo a
proteger-me de ouvir. Que estranha perversidade do medo. Em vez de parar e
descer, aumentei a velocidade dos meus passos. Agora, era a pessoa que corria a
subir as escadas. Corria como se estivesse a dar o meu melhor numa prova de
esforço. Ridícula. Mas o meu foco era o
encontro. O vislumbre daqueles breves segundos em que eu falaria, suportavam
qualquer débito doloroso de oxigénio. Eu
sabia que, quando lá chegasse, eu seria capaz de falar. Chego. Senti as
mãos dormentes e, como se não fosse suficiente, todos os movimentos do meu
corpo, estavam entorpecidos e atrofiavam toda a minha suposta espontaneidade. Resolvo
o problema com a minha imobilidade vertical. Preciso que os músculos se alinhem
e me devolvam a identidade. Devolvo-me. Dou três passos e encontro-o.
Finalmente, a espera terminou. Olho-o e percebo. A coragem ficou nas escadas,
assim como o saco cheio de intenções. Esse, perdeu-se durante a corrida. Sucumbo ali aos seus pés e morro por dentro,
muda.
Se fosse a descer...
ResponderEliminar...talvez...
EliminarTens de lá voltar. Para a próxima é que é!
ResponderEliminarBjinhos
Beijinho 😘
EliminarVoltar sempre, um dia não perdes nada pelo caminho, pelo contrário, ganhas mais bagagem!!!
ResponderEliminarSim...fá-lo-ei sempre que precisar!
EliminarBeijinhos
Agora fiquei eu com tonturas :))
ResponderEliminarMedo das alturas? ;))
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