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quarta-feira, 19 de fevereiro de 2020

O meu avô descobriu aos 91 anos (quase 92) que poderia ter sido arquitecto.


O meu avô descobriu aos 91 anos (quase 92) que poderia ter sido arquitecto. Pedreiro a vida toda, agora a viver num lar, passa os dias e as horas a desenhar as plantas das casas que construiu. Não usa óculos (nunca usou) e quando tinha perto de 70 anos foi operado às cataratas. Tem um escritório improvisado numa sala comum, repleta de antíteses e intenções. Uma sala onde o presente ora se define no silêncio das sestas improvisadas em cadeiras, ora em gritos desenfreados e sem significado que relatam somente a angústia de quem não sabe quem é, nem onde está. Traz os seus objetos de trabalho dentro de uma caixa de plástico. Usa régua e esquadro com uma perícia incrível e agora, até usa corretor quando as linhas não cumprem os seus desígnios de perfeição e esquadria. Consegue fazer as reduções à escala real. A sua obsessão reside agora em desenhar as plantas das casas dos seus três filhos. Mostra-nos orgulhosamente os pedaços de papel, colocados com fita cola que obedecem a uma lógica imperturbável. Tem a 4ª classe, mas a ortografia não é com ele. Escreve como fala. Ouve mal e a metade das nossas conversas tem de ser feitas junto do ouvido. O meu avô descobriu aos 91 anos (quase 92) que poderia ter sido arquitecto. 
Para mim, ele já é.



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