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terça-feira, 16 de julho de 2019

Um telefonema, uma história.

O calor fere os meus sonhos. Transforma-os em pesadelos e reduz a qualidade do tempo em que me desligo do mundo. Acordo e venho escrever. A gata deita-se cuidadosamente no meu colo, situando-se entre a minha barriga e o computador. Eu tento movimentar-me o menos possível para que o seu corpo quente e vibrante permaneça junto de mim e me ajude a esquecer o que, minutos antes, me despertou. 

Ontem,no final do dia, recebi um telefonema de um número desconhecido. Do outro lado, a voz denunciava o peso da idade. Era uma senhora. Assumi que fosse um engano. Mas era eu que estava enganada. A senhora tinha intenções de falar comigo. Começou a conversa da forma mais transparente e genuína que conheço. Arranjou o meu número junto da funcionária de um organismo público do local onde eu moro, assumiu sem preconceito. Tem 88 anos e ouvira falar que eu era menina de paixões. E foi a minha paixão pelo teatro que a levou a procurar-me. Tem a quarta classe, dá erros e a letra dela é pouco legível, segundo ela, só meia dúzia a devem entender. Mas eu explico tudo à menina se for preciso, acrescentou. Durante toda a sua vida, o seu prazer mais visceral fora escrever. Tem mais de 20 cadernos escritos com poesias, peças de teatro e até anedotas. Não gostava de morrer sem que nada daquilo fosse lido e representado por alguém. Tenho uma pena enorme não poder dar isto a alguém que saiba valorizar, repetiu várias vezes. Seguiu-se o convite para ir a sua casa. 
Irei. E levarei comigo, a sensação incrível de que o bonito pode ainda ser mais bonito quando vivido e sentido desta forma.
Obrigada dona L.

13 comentários:

  1. A D. L. encontrou a pessoa certa para partilhar os seus tesouros. :)

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  2. Que lindo! Que bom que ela encontrou com quem partilhar os seus escritos! :)

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  3. São gestos destes que fazem valer cada minuto das nossas vidas =)

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    1. Caro Lápis...é isso mesmo! Sou grata a isto tudo! beijinho

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  4. Aguardamos ansiosamente por desenvolvimentos sobre os escritos :)

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    1. Simmm!! Hoje, vai ser um dia giro: vou conhecê-la! Depois escreverei por aqui...os próximos desenvolvimentos! beijinhos

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  5. Vai. Não procrastines. É uma geração especial e todo o contacto com alguem assim só nos enriquece. Independentemente do que ela te entregar, tem um valor unico. Bem haja.

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    1. Vou conhecê-la hoje! :)) E só o telefonema que me fez já teve um impacto único em mim! Não há como esquecer..beijinhos!

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  6. Hoje é só para dar conta do meu regresso à blogosfera.

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    1. Bem-Vindo Pedro! Espero que as férias tenham sido boas! beijinhos

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  7. A escrita não deve morrer no papel... quando escrevo sou desconchavado. Quando digo.solto-me... as nossas palavras não devem morrer amordaçadas, não devem restringir-se a nossa vida porque deixam de ser nossas depois de as derramarmos no papel.
    Entendo tão bem a sra. Entendo tão bem esse querer dela que torna as coisas presentes e não efemeras..o seu querer firmar raizes no tempo... mais do que para se perpetuar, para dar sentido ao escrito e ao vivido.
    É claro que a sra.escolheu a pessoa certa para passar o testemunho, porque tu te das, porque tu te expoes, porque reconheces a grandiosidade de gestos simples... porque tu te entregas... porque sabes o valor do que é dado e reconhece-lo com afecto.... talvez por seres o que es... afeto.
    Vais ver que os textos da sra. Vão ser maravilhosos, vais ver que o chã que vão beber vai ser brindado por historias... bebe-as todas... bebe a presença dela do toque das mãos ao vislumbre da alma, sei que a vais honrar.depois usa os poemas, os textos, as peças, essas lembranças de 80 anos de vida. E escreve sobre isso da forma grandiosa como o expuseste hoje.

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